Saturday, June 10, 2006

Sobre Códigos


O Código Da Vinci e os códigos do Homem do Século XXI

Certamente já ouvimos muitos comentários e muitas discussões em torno da obra O Código Da Vinci. Jesus Cristo e Maria Madalena e sua descendência carnal; o Santo Graal ou o sangue real; manuscritos escondidos, achados, etc... Outros, não querendo dar-se ao trabalho de pensar, preferem reduzir a obra à seguinte declaração: “O homem era um picareta, inventou tudo aquilo para vender...”
Considero muito interessante todas essas discussões, por serem instrutivas, e respeito aqueles que consideram Dan Brown como um picareta. Mas uns e outros continuam tendo que me explicar como é que uma obra, que não se destaca pelos seus atributos literários, conseguiu se tornar num dos textos mais lidos dos nossos dias.
Se o povo está lendo, é porque encontrou nesses livros respostas para as perguntas que consciente e inconscientemente anda fazendo por aí, mas às quais, quem sabe, não estamos atentos.
Creio que a obra de Dan Brown tem apresentado, ainda que de uma forma não sistemática, um conjunto de preocupações que caracterizam o homem do século XXI.
É sobre esse outro lado da obra que eu gostaria de falar. Não tanto sobre a ponta do iceberg, mas sobre o que está oculto nas águas, mas que sustenta o próprio iceberg. Vou chamar esse outro lado da obra de “Os códigos do Homem do século XXI.

1º Código: Verdade

O início do livro começa com a interessante afirmação: “Fatos”- “Todas as descrições....correspondem rigorosamente à realidade”
O objetivo desta declaração é lançar um pressuposto: tudo o que se disser, daqui em diante, é real; mesmo que Dan Brown tenha afirmado que a sua obra não passa de uma ficção.
São reais não só os monumentos, pinturas e galerias do Louvre, o assassinato, mas também a existência de uma verdade que foi ocultada, e que está prestes a ser alcançada. Essa verdade não é uma simples descoberta, mas uma peça do “quebra-cabeças”, e que pode dar à humanidade, finalmente, a possibilidade de diferenciar a verdade da falsidade.
Temos aqui o primeiro código do Homem do Século XXI: o homem do nosso século voltou a acreditar na existência de uma verdade. Esta afirmação pode ser estranha, mas se recordarmos que há algum tempo atrás, com o advento do Pós-modernismo, falar de verdade era um contra-senso, pois como poderia ser, se tudo é relativo, e se o sentido está reduzido à minha existência.
Tendo pretensões filosóficas ou simplesmente comerciais, dificilmente o saberemos, esta obra vai direto à grande característica do nosso século: o advento de um renascimento espiritual.
A Pós-modernidade, com a absolutização da falta de sentido, esgotou-se. O Homem do início deste século voltou-se novamente para o divino.
As evidências são claras: desde a série americana Arquivo X, que procurava demonstrar que a verdade tem sido ocultada e deve ser procurada, apesar do ceticismo científico de Scully; o nº cada vez mais crescente de adeptos das religiões orientais, o crescimento do Islamismo na Europa secularizada, enfim, por que não falar do sucesso de O Senhor do Anéis que nos apresenta uma esperança na destruição do mal, simbolizado naquele Anel.
Por isso, não é por acaso que o enigma quanto à verdade que vai abalar o mundo se situa em Paris. É nesta cidade que se dá a transição do Pós-modernismo para uma nova era de Renascimento espiritual.
O código Da Vinci está sendo lido como uma ficção, um sonho delicioso, e que levou o homem do século XXI a acreditar que a verdade pode ser investigada e encontrada.

2º Código: A Nova História

Se de fato estamos certos que esta obra gerou em nós a deliciosa pretensão de descobrir a verdade, ela também gerou um dilema: se a verdade sempre existiu, porque nunca a encontramos?
Ao longo da história do pensamento Ocidental existiram várias respostas a esse dilema. A verdade permanecia oculta porque era muito transcendente e inacessível, ou porque o Homem era muito limitado em sua dimensão terrena ou em suas categorias mentais; ou ainda porque a verdade talvez não passasse de uma projeção de um ideal antropocêntrico, de uma ilusão e ópio do povo.
Esta obra apresenta uma outra perspectiva sobre essa busca da verdade: ela sempre existiu, mas foi ocultada por razões políticas. E é nesta linha de raciocínio que aparecem na obra as instituições que conspiram para que a verdade não seja descoberta, como é o caso da Opus Dei, e as Instituições que guardam a verdade, como o priorado de Sião, à qual pertenciam figuras ilustres como Leonardo Da Vinci e Isaac Newton. A procura da verdade é, assim, reduzida a uma luta de poder.
Aqui temos uma suposição filosófica que Dan Brown não assume, mas que influencia a sua interpretação das expressões religiosas. Dan Brown faz uso de uma nova metodologia histórica: divide a história em “mestra” e “nova”. A história mestra seria a visão definitiva sobre um acontecimento, resultante de uma imposição da interpretação do vencedor- é a visão que é atribuída ao cristianismo do Imperador Constatino. A nova história consistiria numa revisão da história mestra a partir da visão das minorias, como foi o caso dos gnósticos, das mulheres, etc...
Esta nova perspectiva é focalizada no evangelho gnóstico de Maria Madalena, principalmente, e a partir deste, o autor pretende reescrever a história suprimida.
Duas conseqüências imediatas aparecem na obra:
a) o cristianismo oficial não corresponde ao cristianismo original;
b) a autoridade é resultante de uma imposição;
c) Logo, temos que voltar para a riqueza perdida do cristianismo que está nos evangelhos gnósticos.
E aqui nós temos mais um código do nosso século: a busca pela verdade implica a reinterpretação dos símbolos das religiões oficiais, como é o caso do cristianismo.

3º Código: O Novo Acrítico

O que parecia um passeio maravilhoso em busca da verdade se transformou num pesadelo, por duas razões:
A primeira é que essa interpretação da história reduziu os fatos mais importantes do cristianismo a uma manipulação política: por exemplo, a divindade de Jesus foi uma idéia introduzida para solidificar o império de Constantino.
A segunda, é que foram introduzidos novas evidências com um valor de verdade, e sem uma atitude crítica, a mesma que foi aplica aos 4 evangelhos.
Como conseqüência, gerou-se um reducionismo em relação aos 4 evangelhos, e uma visão acrítica em relação aos apócrifos.
Além disso, num grande golpe de mágica, Dan Brown coloca em cena o especialista em simbologia religiosa Robert Langdon. Este personagem tem a responsabilidade para reinterpretar toda a simbologia religiosa oficial. E sendo ele a autoridade no assunto, quem o pode questionar ???
O curioso é que nesta obra não há espaço para um debate. Por exemplo, não terão existido outras razões para que esses textos tenham ficado à margem da Bíblia? O personagem especialista em simbologia- Robert Langdon- diz-nos que não e nós ficamos em silêncio...
E é esse debate que temos que promover para determinar a especificidade tanto dos evangelhos gnósticos quanto dos 4 evangelhos da bíblia. E para concluirmos que os dois tipos de textos nunca poderiam se complementar teologicamente, não só na igreja primitiva como hoje. E é isso que agora pretendo explicar.

4º Código: Maria Madalena

-Tese: Maria Madalena foi esposa de Jesus, deixou-lhe descendência, fato que foi escondido pela igreja para preservar a divindade de Jesus.
-Fatos: a descoberta do Evangelho segundo Maria Madalena; Sangue Real; Última Ceia; V- simboliza o feminino.
-Problema: Por quê incidir a investigação sobre uma personagem da qual se sabe tão pouco? Muitos vão responder: sabe-se pouco porque foi ocultada. Mas para mim, Maria Madalena, tal como é apresentada nos evangelhos gnósticos, apresenta uma nova verdade e uma nova sabedoria que o homem do nosso século está procurando, alternativa à do Cristianismo oficial. Gostaria de demonstrar por quê, comparando as informações que temos de Maria Madalena tanto do evangelho gnóstico, como dos 4 evangelhos.
-Maria no “evangelho de Maria” 17: 10-18:21
“Mas André respondeu e disse aos irmãos:“Dizei o que tendes para dizer sobre o que ela falou. Eu, de minha parte, não acredito que o salvador tenha dito isso. Pois esses ensinamentos carregam idéias estranhas”. Pedro respondeu e falou sobre as mesmas coisas. Ele os inquiriu sobre o salvador: “será que ele realmente conversou em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Devemos mudar de opinião e ouvi-la? Ele preferiu-a a nós? Então Maria Madalena se lamentou e disse a Pedro: “Pedro, meu irmão, o que estás pensando? Achas que inventei tudo isso no meu coração ou que estou mentindo sobre o salvador?” Levi respondeu a Pedro: “Pedro, sempre foste exaltado. Agora te vejo competindo com uma mulher como adversário. Mas, se o salvador a fez merecedora, quem és tu para rejeitá-la? Certamente o salvador a conhece bem. Daí tê-la amado mais do que a nós. É antes o caso de nos envergonharmos e de assumirmos o homem perfeito, e de nos separarmos, como Ele nos mandou, e pregarmos o evangelho, não criando nenhuma regra ou lei além das que o Salvador nos legou.”.

-Algumas conclusões:
-Jesus concedeu uma revelação e uma autoridade especial a Maria, com a qual Pedro não concordava;
-Maria simboliza a verdade secreta suprimida, e Pedro, a versão oficial imposta;
-Jesus não deu qualquer regra quanto à transmissão apostólica da verdade.
-Logo, ninguém é detentor da verdade e, portanto, existem vários caminhos para se chegar a essa verdade.

-Maria nos “4 evangelhos”:
As poucas vezes que é citada, ela aparece testemunhando a morte de Jesus na cruz e esteve entre as primeiras mulheres que viu e proclamou a ressurreição.
Dá para ver como as duas coleções de texto tratam de Maria de uma forma tão oposta: nos ev. gnósticos, ela é a detentora de uma revelação secreta, nos 4 evangelhos, testemunhou a morte e ressurreição.
É esta diferença que tem que ser debatida, pois nela reside o diferencial do cristianismo para qualquer outro tipo de religião.
Em primeiro lugar, o ev. gnóstico de Maria é um texto gnóstico, que enfatiza a existência de uma sabedoria oculta sobre Cristo, que seriam acessíveis para os iniciados. Essa sabedoria aparece personificada em Maria Madalena, tal como posteriormente apareceria na personagem Sofia, que significa sabedoria, em grego.
Em segundo lugar, a bíblia afirma que Cristo é a verdade, e que essa verdade tem dois grandes pilares: a sua morte pela humanidade e a sua ressurreição.
Conclusão: Maria Madalena e a personagem Sofia são personificações da verdade alternativa, não oficial que o homem do presente século está procurando: uma verdade mística e que não esteja ligada a instituições, mas ligada à adoração da mãe natureza. Ou seja, Maria Madalena é a proposta de uma religião imanentista e subjetiva.

5º Código: A Especificidade do C
ristianismo

Foi no intuito de manter a especificidade desta verdade que outros textos, como os que chamamos hoje de apócrifos ficaram de fora. Não foi por uma decisão política de Constantino, como afirmam, mas porque apresentavam outra religião que não tinha nada a ver com o cristianismo. Hoje, se fizermos novamente essa comparação, chegaremos às mesmas conclusões: tratam-se de ensinamentos diferentes. Diminuir a diferença entre eles é uma injustiça para ambos os textos.
Além disso, antes do famoso concílio de Nicéia (325 DC), já existiam textos aceites pela igreja que corroboravam a divindade de Jesus. Exemplos: Cartas de Paulo (50-60 DC), Evangelho de João (90 DC).
Assim, o Concílio de Nicéia não escolheu os livros, mas recebeu e reconheceu os textos que já eram reconhecidos como tendo autoridade pelas igrejas cristãs.
Portanto, é escandalosa do ponto de vista histórico, a afirmação do personagem Teabing, no Código, quando diz que“...Constantino mandou fazer uma Bíblia novinha em folha, que omitia os evangelhos que falavam do aspecto humano de Cristo e enfatizava aqueles que o tratavam como divino. Os evangelhos anteriores foram considerados heréticos, reunidos e queimados.” (p. 251).

6º Código: A SEDE E A FUGA

O homem do Século XXI é um Homem que assumiu, sem vergonha, que tem sede pela verdade.
Conquanto tenha sede, rejeita qualquer tipo de espiritualidade oficial, que esteja ligada a instituições humanas.
É compreensível! Pesa sobre a nossa história os erros e os abusos feitos em nome de Deus.
Mas é legítimo deitar fora o cristianismo por causa do abuso que os homens dele fizeram? Devemos deitar fora dois quilos de laranja, quando sabemos que somente duas estão estragadas? Podemos argumentar que a laranja não é doce, só porque comemos uma amarga?
Jesus já tinha advertido que a religião mata. Portanto, olhemos somente para Ele! E para isso temos que o procurar, ler, comparar, debater e verificar o que é e o que não é cristianismo.
Dan Brown mostrou, de uma forma simples, e sem vergonha, que o homem deste século procura pela verdade. Contudo, a sua resposta reducionista, ao reduzir a espiritualidade cristã a um jogo político, deixa mais perguntas do que respostas. E a nossa alma está em busca de respostas.

Pastor João Cardoso, professor de filosofia no Seminário Teológico Escola de Pastores